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As domésticas e os uniformes

domingo, 23 de julho de 2017 às 11:19 - por, redacao.

Artigo


Por: Érica Araújo Castro - Articulista do jornal www.estadoatual.com.br 


Sempre acompanho assuntos considerados polêmicos e considero-me, modestamente, ativista pelos direitos humanos – mais especificamente feminista e engajada na luta contra a intolerância religiosa. Para isso, uso meus textos, minha voz, enquanto palestrante, meu tempo livre para me envolver em mini-cursos etc.

Um caso que acompanho com bastante curiosidade é o dos empregados domésticos e babás – pelo interesse nos dois lados. Quando me mudei para Lafaiete, não tinha graduação – havia trabalhado em Belo Horizonte, minha cidade natal, primeiro como vendedora em uma loja de acessórios para carros, depois vindo a gerenciá-la. Sempre fora professora de inglês também.

Mas aqui, quando procurei as lojas com as quais estava familiarizada dezoito anos atrás, era olhada com desdém. Apesar de minha experiência, senti na pele como os serviços de uma mulher não eram bem-vindos na área em todas as que visitei para deixar meus currículos quase vinte anos atrás. Imaginei que uma professora prática não conseguiria uma posição com facilidade nas escolas daqui também. Comecei a tentar outras lojas e começava já a ficar preocupada – cogitei e, de fato, comecei a oferecer minha mão de obra como faxineira. Sem o menor problema, óbvio. Profissão digna, inclusive.

O tempo passou, graduei-me, especializei-me e comecei a trabalhar como vendedora, professora e contratei uma empregada doméstica, já que tinha filho pequeno e preferia deixá-lo em casa. Ou seja, estive dos dois lados da moeda – mesmo que por pouquíssimo tempo em um deles.

Assim, acompanho com interesse muitas reivindicações pertinentes e relatos chocantes. Vi alguns que descreviam como até mesmo a alimentação de babás era relegada pela família – as mesmas sentavam-se à mesa nos restaurantes para cuidar dos pequenos, mas não eram convidadas a comer, tendo que se alimentar antes de sair de casa, SE houvesse tempo. Houve o caso da anfitriã de uma festa que serviu a duas babás no mesmo prato demonstrando um comportamento de total desprezo pelas profissionais ali presentes – onde já se viu em nossa cultura pessoas adultas desconhecidas dividindo a comida dessa maneira? Babás impedidas de entrar na piscina com as crianças, como se o fato de estarem a trabalho fosse contaminar a preciosa água dos clubes. Empregadas que, apesar da lei clara, ainda não conseguiram seus direitos plenos ao FGTS, ao 13º salário, férias (com pagamento de 1/3 extra) etc.

Considero essas pautas extremamente importantes. Considero também importante um direito que entendo ser fundamental: o de parar de classificar a empregada doméstica como sendo da “família”. Como certa vez ouvi de uma pessoa – um bom jeito de avaliar se a empregada é tratada como tal (o que acontece em raríssimos casos) é respondendo à pergunta: quando vocês vão ao supermercado, como são carregadas as sacolas? Vocês dividem o peso? Ela carrega sozinha?

A maior parte das vezes, a empregada carrega sozinha demonstrando a hipocrisia dessa afirmação que deve ser fortemente combatida. A empregada é o que o nome diz: empregada, funcionária. E isso não é demérito algum. Como tal deve ser tratada – com educação, respeito, com todos os seus direitos legais garantidos, com o contratador cumprindo todas as suas obrigações empregatícias e a contratada cumprindo as suas.

Assim, não é difícil observar que a luta ainda é muito grande e possui várias pautas relevantes. Mas aí, deparo-me com uma reportagem de título que diz, parafraseando: “Patroas, que agem como sinhás, exigem uniformes de domésticas para deixar clara a separação entre elas” – e me pergunto se quem escreveu isso sequer tem ideia do que significa viver com um salário mínimo.

Sim, porque se tal pessoa tivesse ideia do que isso significa, ou se se desse ao trabalho de perguntar às próprias empregadas, talvez tivesse ouvido que o uniforme economiza a roupa pessoal. Que o uniforme – que suja muito, deve ser lavado com frequência, e por isso, dura pouco – impede que o empregado tenha que gastar com roupas para trabalhar.

As pessoas falam como se o uniforme diminuísse o empregado – em vez de economizar gastos do mesmo. E claro, sempre considerando o seguinte: se o patrão quer que eu me vista de determinada maneira para frequentar os ambientes que frequenta, que pague por isso. Foi assim em todas as lojas em que trabalhei, quando ganhava o mesmo salário mínimo que ganha o empregado doméstico.

Veja meu exemplo hoje. Sou professora da rede pública e na cidade onde leciono, a prefeitura dá o mesmo uniforme para professores, cantineiras, auxiliares. Há ali o logo da prefeitura bem legível, deixando claro que quem o usa, mais certamente será funcionário público. É apenas uma camisa, mas recebemos um par. Se alguém me vir usando-a na rua, não saberá que sou professora – pode imaginar que sirvo merenda.

Sabe o que eu penso: dane-se. O que eu faço ou deixei de fazer não é problema de quem me vê na rua. O que eu não quero é gastar meu salário com roupa para trabalhar!

Observe que eu, apesar de ter a profissão de nível superior mais mal paga do mercado – ainda ganho bem mais do que um empregado doméstico. E ainda assim, ter o uniforme cedido pelo meu empregador economiza meu dinheiro.

Às vezes vejo essas “lutas” tão carregadas de uma ideologia teórica, que jamais visitou a vida real, e me pergunto o quanto perdem as lutas reais, necessárias, com esse desperdício besta de energia, que seria mais bem utilizado no que há de necessário – tratamento digno e respeitoso, seguindo os parâmetros legais, respeitando direitos e deveres, para os empregados domésticos.

Foco no que realmente importa, minha gente!